ISTIMIRANT STELLA

Rynaldo Papoy

Estação Lunar Neil Armstrong, 2028 AT (Ano Terrestre) ou 59 AL (Ano Lunar).

O COCE, Centro de Observação de Corpos Espaciais, patrocinado pela AIIB, Associação Internacional da Indústria Bélica, ocupava a ala sudoeste da estação.

Os dois casais que cuidavam do COCE, funcionários da AIIB não eram muito queridos pelos outros pesquisadores e funcionários da estação. A maioria era formada por médicos, biólogos, físicos, químicos, geólogos. Trabalhavam para fundações e universidades, mas o Consórcio Espacial Internacional havia permitido que a estação fosse utilizada para pesquisas privadas.

Além do pessoal da AIIB, havia também pesquisadores da AIIF (Associação Internacional da Indústria Farmacêutica) e cientistas da SL Computers, a maior empresa de computadores da Terra, fornecedora de todo o sistema utilizado pela Estação Neil Armstrong, em troca daquela sala onde quatro casais desenvolviam novos programas e equipamentos.

Mesmo assim, o pessoal da AIIF e da SL eram tratados com mais cortesia, pois criavam coisas em benefício da humanidade.

Os trabalhadores da AIIB também utilizavam este argumento. Estavam ali vigiando o espaço para que nenhum meteoro, asteróide ou cometa destruísse a Terra.

- Nenhum corpo espacial se chocará com a Terra nos próximos 257 anos. Em 2285, asteróide ZOHYER 455, de 350 km de diâmetro deverá cair sobre a cidade de Copenhague, na Dinamarca, a não ser que instalemos nele quatro ou mais foguetes que desviam sua trajetória.

A coordenadora da estação, Julia Al-Din Rafsanjani, iraniana de 42 anos, era a principal crítica do COCE. Física formada por Oxford, fora uma das projetistas da estação e indicada para sua coordenação por seu antecessor, Will Eisner, quando este completou sua missão de 10 anos no espaço e voltou a Terra. (A OMS – Organização Mundial de Saúde, da ONU, não permitiu a permanência de pessoas no espaço até 2025, quando o tempo passou a ser de ! 15 anos. Em 2050, os humanos poderiam ficar 20 anos, quando deverá nascer a primeira criança no espaço, provavelmente na Lua. Será o último animal terrestre a nascer fora da Terra, depois dos insetos, répteis, aves, peixes e mamíferos).

Julia Al-Din e Michael Douglas, do COCE, travaram debates sobre o tema, até que o Consórcio proibiu a discussão sob pena de mandarem de volta a Terra os dois cientistas.

O Consórcio até concordava com Julia Al-Din. Mas a AIIB era um dos membros mais importantes do Consórcio. Davam mais dinheiro que muitos países da Terra. Melhor deixar o COCE trabalhar e manter o cartaz que Michael Douglas grudou na porta do COCE: “A ameaça é imprevisível”.

Além da Estação Lunar Neil Armstrong, o Consórcio havia construído a Estação Orbital da Terra, em 2012. Em 2014 foi inaugurada a Neil Armstrong. Em 2018, a Estação Marte, em órbita do planeta vermelho. Em 2021, a Estação Orbital de Vênus. Em 2025 e 2026, as Estações de Fobos e Deimos, respectivamente.

Em 2028, estavam em construção as Estações Interiores de Vênus e Marte e as estações orbitais de Júpiter e Mercúrio e a Estação Orbital do Sol.

Em projeto, as Estações Interiores de Júpiter, Mercúrio, dos 16 satélites de Júpiter, de Saturno e seus 17 satélites, Urano, Netuno, Plutão e seu filho Caronte. E havia os projetos que eram quase sonhos. O delirante era o da nave feita de hidrogênio que atravessaria o Sol. Seu tripulante também seria transformado em hidrogênio para entrar na estrela. E quem sabe, um dia, construiríamos uma espaçonave tripulada capaz de atravessar o núcleo do Sol? O ser humano tem necessidade de vivenciar o Universo, não apenas vê-lo.

Outra fantasia era mandar uma nave na direção de Próxima Centauri, que à velocidade da luz, chegaria lá em 4 anos. Um dia atravessaremos a galáxia. Na direção do núcleo, a viagem duraria 70 mil anos, sem escalas. Saindo pelo caminho mais próximo, oposto ao núcleo, 21 mil.
Depois disto, as mesmas naves ou outras, iniciarão viagem à galáxia mais “próxima”, Andrômeda, que vai durar 2.300.000 anos.

Ainda viajando à velocidade da luz, o ser humano chegará à periferia do Universo em 33 bilhões de anos.

É por isso que na Estação Lunar Neil Armstrong há um laboratório de pesquisa da luz, onde alguns casais com o apoio de um supercomputador criado pela SL, tentavam acelerar os fótons que formavam a luz e as ondas de rádio. Se não conseguisse, pelo menos saberíamos que a sonda Odlanyr Yopap, batizada em homenagem ao primeiro teórico da velocidade sobre-luminosa, enviada em direção ao um ponto vazio do espaço, a 1 milhão de km/h, atravessará o Universo visível, daqui há 1 sextilhão de anos.

Tudo isto levando em consideração a tecnologia atual. Mas Julia Al-Din e muito outros físicos, como o velho Yopap, acreditavam existir micro-fótons (partículas menores girando dentro do fótons, cem mil vezes mais rápido que a luz). Quando a! matéria e a anti-matéia se chocam, há uma explosão. Se um micro-fóton e um anti-micro-fóton se chocassem, causariam também uma espécie de explosão. Assim Yopap especulou sobre uma nave que se transformaria em micro-fótons e anti-micro-fótons que ao chocaram-se criariam uma explosão, causando uma supervelocidade capaz de mandar o homem aos confins do Universo em 300 ou 400 anos. Vê-se como nem mesmo a mais alta e improvável tecnologia não encurtaria uma viagem através do Universo durante a vida de um humano, a não ser que o homem aprendesse a viver mais tempo. Claro que numa velocidade da luz e acima da luz, o homem não veria o tempo passando. Mas o tempo passaria na Terra.

Se um pai mandasse o filho ao fim do Universo, teria que viver 800 anos para vê-lo regressar. Mas o filho não teria envelhecido.

E havia outra corrente científica que acreditava ser o tempo um conjunto de blocos coexistentes. A viagem entre a Terra e um planeta distante 800 sextilhões de m! ilênios-luz duraria um segundo, se fôssemos capazes de atravessar de um bloco ao outro.

Antes de tudo isto seria preciso proteger a Terra.

A afirmativa de Julia Al-Din de que a ameaça espacial era previsível baseava-se no monitoramento do Satélite Caronte 2, que girava na órbita do planeta Plutão, observando o céu. Segundo seu fabricante, a BMD (curiosamente, membro da AIIB), Caronte 2 monitorava com precisão o movimento de todos os corpos celestes visitantes do sistema solar, com a supervisão de astrônomos da Terra, pilotando seus telescópios e astrônomos do Consórcio.

Todos na Terra sabiam que a AIIB mantinha seu observatório lunar para continuar a venda de armamentos capazes de destruir até um asteróide com centenas de quilômetros de extensão. Ecologistas denunciaram a morte de um projetista da BMD que criara um foguete que, instalado a um meteoro, mudaria sua rota, desviando-o da Terra. Depois o foguete voltaria a Terra e seria reutilizado. Um sis! tema barato e pacífico, elogiado pelas igrejas, pois evitaria a destruição de uma obra de Deus.

Foi o projetista cubano Clovis Basco, que morreu num acidente de avião e a AIIB divulgou um relatório afirmando ser arriscado tentar mudar a rota de um corpo celeste.

E a discussão não terminava.

Para a felicidade da AIIB, um astrônomo da NASA, Michael Douglas, escreveu um artigo para site “nasa”, onde dizia que um meteoro ou asteróide do Sistema Solar poderia mudar sua rota e vir em direção a Terra, como ocorrera em Marte, em 2019, quando um meteoro de 400 metros caiu a 7 quilômetros da base terrestre onde havia doze astronautas japoneses. Na fuga, sua nave por pouco não venceu a nuvem de partículas marcianas.

A AIIB fez o convite. Douglas recusou. Ofereceram US$ 2 milhões por ano, três vezes mais que o seu salário na Nasa. Aceitou. Levou sua mulher, Anette Douglas, biológa.

A AIIB pôs um anúncio no site “nytimes” e contratou o físico brasi! leiro José Steinzberg.

Steinzberg lembra-se do dia em que viajou a Los Angeles, sede da AIIB, com sua mulher, Dra. Renata Steinzberg, patologista. Desceram da limousine em frente ao prédio da AIIB, onde o esperavam o vice-presidente Dan Plank, que o saudou: “Shalom”.

Os dois casais revezavam-se na sala de observação.

Na Lua, as horas e os dias eram contados como na Terra, embora os anos tivessem duas contagens: a terrestre e a própria lunar, a partir da chegada dos primeiros astronautas, em 1969, que passou a ser o ano 1. Havia dois anos-novos: 1 de janeiro e 20 de julho.

Cada casal da Neil Armstrong tinha seu próprio apartamento, bem parecido com apartamentos terrestres, com suas adaptações para a gravidade lunar, equivalente a 1/6 da terrestre. E a comida vinha da cozinha central. Também as roupas vinham da lavanderia central. O resto era igual a Terra: televisão, música, cinema. Não havia esporte pois o esporte necessitaria de gravidade. Ma! s jogavam no computador e também jogavam xadrez ou pôquer. Exercitavam-se com equipamentos de musculação e bicicletas ergométricas. Os shows e as peças de teatro eram exibidas virtualmente, ao vivo, da Terra. Também ficavam horas conversando com parentes ou amigos ou simplesmente liam livros, navegavam pela internet, com seus 50 bilhões de sites.

Para tomar banho, entravam numa cabine que se enchia de água e depois se esvaziava. A Estação tinha 10 mil litros de água reciclável por mês. Ao final de um mês, o cargueiro Moonlight I ou Moonlight II (vulgo Worewolf) vinham da Terra com novos suprimentos e mais 100.000 litros de água puríssima, além de novos habitantes. Para dormir e transar utilizavam uma cama com lençóis presos.

Também tinham um clube onde divertiam-se, no final de semana. Os djs eram os químicos Jean Reanaut e Mark Fowler.

A cada seis meses visitavam a Terra. Até que seu período se completasse. Dez anos para quem estava no espaço desde a! ntes de 2025 e 15 anos para quem havia chegado a partir desta data.

Havia médicos que trabalhavam exclusivamente para os cientistas e funcionários de Neil Armstrong, monitorando sua saúde ou tratando de eventuais moléstias ou distúrbios.

De tédio ninguém morria em Neil Armstrong. A maioria trabalhava além das 42 horas semanais.

No COCE quem trabalhava eram as mulheres. De segunda a sexta, da 0h até 6h, sentava-se na sala Michael Douglas. Das 6h às 12h, sua mulhere Anette. De 12h às 18 h, José Steinzberg. E no último período, Dr. Renata.

Mas como Anette era biológa, também trabalhava no CPA, Centro de Pesquisas Animais, onde observava o comportamento de mamíferos na Lua. E Dra. Renata trabalhava no Centro Médico, estudando a patologia humana sob condições lunares.

Nos finais de semana revezavam-se em períodos de 12 horas, para que dois folgassem por um dia.

Era uma vida tranquila. Até aquela sexta-feira, 15 de agosto de 59. Dra.! Renata estava contente pois iria viajar para a Terra, no dia seguinte, onde passaria 1 semana.

Cada planeta e o Sol tinham monitores próprios. Verificavam a imagem do planeta, captada por um dos vários telescópios espalhados pelo Sistema Solar, assim como ondas de rádio e outras informações, como abalos sísmicos, tempestades, vulcões, etc. Cada planeta tinha seus sensores, enviados durante a década de 2010 a 2020.

Às 23h55m, quando Michael quase estava chegando, os computadores acusaram um estrondo, como um abalo sísmico ou choque de meteoro, na região de Netuno.

Ansiosa com a viagem, Dra. Renata só informou a Michael a ocorrência e foi embora. Falou em inglês porque era o único idioma que Douglas falava e porque era o idioma oficial da Lua.

Douglas sentou-se na cadeira e pediu Netuno. Todos os comandos podiam ser operados pela voz. O computador reconheceu a voz de Michael Douglas e respondeu: “Bom Dia, Mike”. No espaço, todos os computadores! queriam ser iguais ao HAL.

- O que houve em Netuno?

- Nada. Houve em Tritão.

- Repita para mim.

O computador que Michael batizara de Jack, repetiu a ocorrência. Também liberou o som sintetizado.

- Isto foi um impacto. Há meteoros na área?

- Não.

- Algum satélite bateu em Tritão?

- Não. O satélite Le Verrier está a 3.425.721 km de Tritão, neste momento.

Michael Douglas entrou em contato com o Consórcio. Não quis falar com o observatório Lunar, com quem não mantinha boas relações.

- Nós também ouvimos. Estamos virando o satélite de Netuno na direção de Tritão. Vai levar uns minutos.

Quem respondeu foi o gerente de satélites do Consórcio, Carl Ozoki.

Em pouco tempo, todos os endereços de informações noticiavam uma colisão não prevista em Tritão, satélite de Netuno, aumentando a especulação sobre a possibilidade de a Terra ser um dia atingida por um corpo celeste sem aviso.

-! Há 10 trilhões de dólares no espaço e ninguém consegue prever uma colisão em nosso Sistema? – diziam os comentaristas eletrônicos.

Até que um deles, o site “lemonde” recebeu um recado de um garoto de 10 anos, morador da cidade de Lyon. Léon Vichy, apaixonado por astronomia, mandou um lembrete: “Todo mundo esqueceu de vigiar o cometa de Halley, que está passando por Netuno, neste instante”.

- Halley! – disse Michael Douglas. – Ninguém havia pensado nisto.

Vários cálculos e observações e análises de cientistas ao redor da Terra chegaram à conclusão: o cometa de Halley havia esbarrado levemente no satélite de Tritão. Novos cálculos constataram que Halley raspara num sub-satélite, de 1 km de diâmetro, que orbitava Tritão.

Projetos de estações espaciais e estações lunares existem há séculos, desde que Galileu e outros disseram que a Terra girava ao redor do sol. No século 18 surgia a primeira história sobre uma civilização espacial: “Utopia”, de T! omas Morus. Depois, muitos outros autores falaram de viagens espaciais, como Jules Verne, até que a ciência passou a se interessar pelo tema e a astronomia deixou de ser um hobby. Norte-americanos e soviéticos passaram a competir pela supremacia espacial e as sociedades científicas astrológicas decidiram que seria preciso conquistar o espaço, pois um dia a Terra iria acabar, consumida pelo Sol, como acontece com todas as estrelas. Bem, vai demorar um pouco. 1 bilhão de anos. Mas já dá para começar a estudar mecanismos e desenvolver tecnologia para a conquista do espaço. Embora daqui há 1 bilhão de anos, a tecnologia humana talvez seja capaz de impedir a destruição da Terra. Caso sobrevivemos até lá, nem usando 100% de nossa capacidade cerebral, seríamos capazes de dizer mais ou menos o que o Albert Einstein do ano 1.000.002.228 D.C. vai estar dizendo. Talvez nem tenhamos este formato comum humano. Vamos comparar os seres vivos, quando surgiram na Terra, 1.000.000.000 atrás e! os de hoje. Somos incontáveis espécies animais complexas governadas por um ser racional que já está conquistando o espaço. E quando tudo começou, éramos bactérias unicelulares. O que será dos seres vivos e dos humanos daqui 1 bilhão de anos? (Talvez nos tornemos uma forma de energia onipresente preparando-nos para desvendar outros Universos). Como, aliás, estariam possíveis seres inteligentes que teria surgido em alguma galáxia distante, 10 bilhões de anos atrás? Veja: difícil imaginar 1 bilhão de anos de evolução – e 10 bilhões?

Regressando no tempo, em 1999 foi iniciada a construção da primeira grande estação espacial a ficar em órbita do planeta Terra, administrada pelo Consórcio, com sede em Nova York, formado por 18 países diretores e 55 países assistentes. No ano 2000, empresas privadas entraram para o Consórcio e em 2005, eram 80 órgãos diretores, milhares de empresas participantes e todos os países do mundo colaboravam com ao menos um comentário de algum pro! fessor. O consórcio Espacial tornou-se o maior organismo internacional da Terra. Cada governo colaborava com 0,1% do seu PIB e cada empresa, entre 1 e 10% de seu faturamento, o que dava ao Consórcio uma receita anual de US$ 350 bilhões de dólares, dinheiro suficiente para o desenvolvimento de todos os projetos espaciais.

A Estação Lunar Neil Armstrong começou a ser construída em 2007 e foi concluída em 2009. Entrou em capacidade total de funcionamento em 2013 e foi ampliada em 2017.

Neste ano, não satisfeito com seus quatro satélites de rastreamento de corpos celestes, a AIIB construiu o COCE e instalou seu telescópio de 700 metros. Eram o maior telescópio em atividade até 2028, mas perderia a posição no ranking para o telescópio viajante Aristóteles, que já estava em projeto. O telescópio teria 2000 metros de comprimento por 900 de largura e seria enviado em direção à estrela Alpha Centauri e depois partiria em direção a outras estrelas. Os astrônomos queria! m ter uma visão do Universo do ponto de vista de outras estrelas.

Michael Douglas chegou ao COCE em 14 de abril de 2018 ou 49 AL. Pediu mais um casal para viver na base e em 20 de janeiro de 2019 (50 AL) chegaram José e Renata Steinzberg.

Os quatro se davam muito bem. Sempre comiam juntos e seus apartamentos eram vizinhos. Michael e José participavam do grupo de pôquer e Anette e Renata gostavam de assistir a peças de teatro.

Assim era a vida na Lua. Eventualmente saiam em exploração no caminhão dos geólogos. Colocavam suas roupas de astronautas e andavam na superfície lunar observando pedras e acidentes. Sua experiência mais arrepiante foi conhecer uma caverna lunar onde descobriram um salão de 120 metros de altura. Já tinha havido água e agora os cientistas tentavam descobrir microorganismos no satélite. Se descobrissem, poderiam acreditar na possibilidade de vida em toda a parte no Universo, pois só no sistema solar quase todos os planetas e muitos! satélites tinham fósseis de microorganismos. Duas hipóteses se apresentavam: a primeira dizia que a vida era uma ocorrência natural no universo. A segunda falava de uma insiminação espacial. Não se sabe como, mas os seres vivos teriam sido pulverizados em nosso sistema solar. Talvez só tivessem encontrado condições de evoluir na Terra.

Michael Douglas admirava José Steinzberg, que havia aceito o convite pelo mesmo motivo que ele: dinheiro. Mas Steinzberg era filho do dono de uma rede de supermercados no Brasil.

- Gosto da Lua. É bem tranquila.

Naquela madrugada de Sábado em que o cometa de Halley misteriosamente havia se chocado com um mini-satélite de Tritão, Michael ligou para Steinzberg, acordando-º Ele se vestiu e caminhou em direção ao COCE. Caminhar não era o verbo adequado. Os corredores tinham corrimãos e os habitantes da Lua tomavam impulsos a partir deles, pulando alguns metros. Andavam como cangurus. Steinzberg entrou literalmente voando n! a sala de observação e encontrou Douglas excitado e preocupado.

- Como o cometa não foi destruído? – perguntou o físico.

- Por isso eu o chamei. – disse Douglas. – Descubra.

Depois de analisar os dados, com a ajuda do supercomputador do COCE e raciocinar um pouco, Steizberg desconfiou que um distúrbio no campo gravitacional de Netuno havia mudado a trajetória de Halley. Outra coisa que o físico pensou é que deveria entrar em contato com o centro astronômico da estação lunar.

Pulando como um canguru, nos corredores da Neil Armstrong, José Steinzberg teve uma idéia. Quando segurava nos dois corrimãos e tomava impulso, seu corpo seguia em linha reta. Mas quando segurava com uma só mão ou dava um puxão com mais força numa das mãos, seus corpo fazia uma pequena curva. O movimento lhe deu uma nova visão da órbita de Halley e dos outros corpos celestes.

Quando Steinzberg chegou ao Observatório, todos pararam de coversar e olharam para ele. Al! ém do astrônomo chefe do Observatório, havia mais oito pessoas na sala, entre elas Julia Al-Din Rafsanjani, coordenadora da Estação. O astrônomo chefe chamava-se Miguel Bío. Chileno de origem inca, crescera junto ao observatório Cerro Tololo e desde os 10 anos sabia que seria astrônomo. Estudou na Universidade de Santiago e doutorou-se na Universidade da Califórnia. Era um dos poucos cientistas solteiros em Neil Armstrong. Oficialmente era funcionário do governo chileno, como professor e pesquisador da Universidade de Santiago.

Foi ele quem recebeu o físico José Steinzberg.

- Bem, agora o quadro está completo. Podemos discutir a ocorrência em Tritão.

- O que aconteceu em Netuno? – perguntou Steinzberg em espanhol.

- Diga-me você, que é especialista em colisões espaciais. – respondeu Bío em português.

- Os senhores podem conversar no idioma oficial da Estação Neil Armstrong? – perguntou Julia Al-Din, em inglês.

- Muito bem, imag! inei o seguinte. Primeiro: O Cometa Halley passa por Netuno, mas ninguém se lembra deste fato. Talvez tivéssemos imaginado que ele passaria longe de Netuno. Segundo: Ele passa perto de Tritão e esbarra levemente não em um mini-satélite, mas em um anel de poeira cósmica em volta de Tritão.

- Foi o que eu disse. – lembrou Miguel Bío.

- Por isso o cometa não foi destruído. O que teria atraído o cometa de Halley para junto de Tritão? Também é simples: é a primeira vez na história que Halley passa junto de Netuno.

Os presentes manifestaram-se com um misto de surpresa e alegria pois estava acontecendo algo inteiramente novo no espaço. O intervalo em que as coisas acontecem no espaço são sempre angustiantes. Milhões de anos isto, bilhões de anos aquilo. Halley está conosco há duzentos mil anos e só agora cruzava com Netuno?

- Espere um pouco. – interrompeu Miguel Bío. – Halley orbita em sentido oposto ao de Netuno. Deve ter cruzado várias vezes com N! etuno. Umas quatrocentas vezes em sua história.

- Sem dúvida! – disse Steinzberg. – O problema, aliás, o fantástico é que Halley passa por um processo de deriva orbital. Não apenas Halley, mas eu acho que todos os corpos celestes também passam.

Julia Al-Din tomou a palavra:

- O senhor acredita que a órbita de Halley desloca-se no espaço e por isto ele chegou tão perto de Tritão?

- Sim, observem isto.

O físico José Steizberg retirou um lápis de seu bolso e o girou no ar. Lentamente o lápis subiu alguns centímetros e pousou na sua mão direita.

- É assim que imaginamos a órbita de todos os corpos celestes, no mesmo lugar, sem contar as translações, como a da galáxia, etc. Mas o cometa Halley está fazendo isto.

Steinzberg girou o lápis, empurrando-o para Miguel Bío, que o pegou suavemente.

- Se puder provar isto, vai ganhar o Nobel de Física, Steinzberg. – disse Bío. – Mas o que me intriga é como o cometa Halley pas! sou entre Tritão e Nereida e não foi capturado por suas gravidades nem a de Netuno.

- Ainda não sabemos se foi capturado. – informou Steinzberg. – Vamos esperar mais algumas semanas ou meses ou anos.

Naquele mesmo dia, Michael Douglas pediu para o computador medir com precisão a trajetória do cometa de Halley. Os telescópios do COCE, o Hubble, o satélite Le Verrier, de Netuno e o satélite Caronte 2, em Plutão estavam apontados para Tritão e o cometa de Halley, formando um painel absolutamente preciso daquele ponto do Sistema Solar.

Abatido, com dores de cabeça e cólicas intestinais, Michael Douglas entrou em seu toalete . Passou uma toalha molhada no rosto e sussurrou:

- Meu Deus, o cometa Halley vai colidir com a Terra...

Cometas não são estáveis. Não ficam bilhões de anos rodando no mesmo lugar. O próprio Halley já havia tido sua trajetória alterada pela força gravit lculo de seu Observatório Lunar. E em pouco tempo, todos na Terra j! á sabiam o que iria acontecer.

Os membros da AIIB ficaram sorridentes. Pediram uma conferência com o Conselho Superior do Consórcio Espacial Internacional, que agendou 7 debates a ser realizados ao longo do ano de 2029. O evento ficou conhecido como Forum do Cometa Halley.

Determinariam o destino do cometa. Seria destruído por uma bomba nuclear? Em que local do espaço? Próximo a Terra? Próximo a Marte? Próximo a Júpiter? Quanto mais longe da Terra, mais seguro, diziam os engenheiros bélicos. Enviariam três mísseis, sendo um titular e dois reservas. Pulverizariam Halley.

Michael Douglas entrou na nave Moonlight e esperou a partida para a Terra. Estava triste. Jamais pensou que seria responsável por uma descoberta que acarretaria na destruição de um corpo celeste como o cometa de Halley.

Quando chegou a Terra, dezoito horas depois, pousando no espaçoporto Sky, na Geórgia, EUA, foi recebido por cerca de 1.500 manifestantes contra a destruição do ! cometa. Diziam eles que o engenheiro cubano Clóvis Basco, da empresa BMD havia desenvolvido um poderoso foguete capaz de mudar o trajeto de um corpo celeste como o Halley e por isto teria sido assassinado em interesse das indústrias bélicas, que preferiam ganhar dinheiro o do Consórcio com seus mísseis nucleares.

Antes de entrar na limousine da AIIB, Douglas viu uma garotinha com uma cartolina com um desenho do cometa e uma frase: “Não matem Halley”.

A limousine estacionou ao lado de um helicóptero e o helicóptero voou ao aeroporto de Atlanta. Em Atlanta, Michael pegou um avião até Los Angeles, sede da AIIB. Os maiores figurões da indústria bélica mundial, a maioria norte-americanos, alguns franceses, ingleses, israelenses, alemães, entre outros, estavam lá.

Douglas foi aplaudido mas não manifestou reação. Continuou quieto até ser chamado pelo presidente da AIIB, o alemão Ferdinand Bremer, para que palestrasse sobre a descoberta de que o cometa Halley! se chocaria com a Terra e porque deveria ser destruído por um míssil.

O astrônomo levantou-se, chegou atrás do púlpito, aproximou-se do microfone e disse:

- Estou me demitindo.

Sem mais, deixou a sala, sob olhares silenciosos dos poderosos.

Na semana seguinte, voltaram a Terra sua esposa Anette e também o casal Steinzberg.

No dia da demissão, Douglas entrou num táxi e pediu permissão para usar o telefone. Digitou: “jsteinzberg”. Em 22 segundos viu a cara de Steinzberg.

- Olá, Mike, onde está?

- Em um táxi, em Los Angeles. Tenho boas notícias. Pedi demissão.

Steinzberg ficou em silêncio. Depois pediu para Douglas repetir. Fê-lo.

- Não posso permitir que destruam Halley. Você é um cientista sensato. Sabe que é possível desviar a rota do cometa.

O motorista do táxi estava atento à conversa. Era a primeira vez em 50 anos que alguém ligava para a Lua diretamente de seu táxi. E ainda estavam conversan! do sobre o destino do cometa de Halley. Ninguém acreditaria.

Steinzberg pensou um pouco e disse algo que deixou Douglas entusiasmado:

- Mike, eu sou capaz de projetar um foguete igual ao do Basco.

E assim, no mesmo dia Steinzberg pediu demissão a AIIB e não mais pisou no COCE. Até chegar a nave Moonlight 2 (que os tripulantes chamavam de Worewolf), o físico ficou jogando pôquer. Anette e Renata também afastaram-se do COCE e convidaram todos os habitantes da Lua para um acontecimento inédito e maravilhoso: o parto da eliá Daisy.

Com seus magnetos nas solas de seus pés, Daisy andava em círculos na maternidade especialmente construída para ela, no laboratório animal da Estação Lunar. Todo o planeta Terra assistia ao parto.

Enfim o pequeno elefante veio a Lua, pousando suavemente no solo macio da maternidade. Com lágrimas nos olhos, os habitantes da Lua sonhavam com o dia em que um bebê humano nasceria no espaço.

Quando chegaram a ! Terra. José não largava a mão de sua mulher Renata. Era a primeira vez em 4 anos que estavam juntos no planeta. Pegaram o avião em Atlanta e a viagem para São Paulo pareceu durar uma eternidade. Pousaram no Aeroporto Internacional de São Paulo III, na zona sul da cidade e embarcaram num helicóptero em direção ao heliporto 4 de Embu-Guaçu.. O motorista do pai de Steinzberg veio buscá-los no Mercedes Benz e o levaram para casa.

Adoraram deitar juntos enfim na mesma cama, sem precisar estar amarrados. Tinham a sensação de estar colados na cama.

A Organização das Nações Unidas determinou que o Consórcio deveria mudar a rota do cometa de Halley. Em 2045, uma nave iria partir em direção ao cometa e o encontraria próximo ao planeta Saturno. Instalariam quatro foguetes, deslocariam sua direção em 45° e depois o recolocariam em sua órbita tradicional. Após a missão, os foguetes desengatariam do cometa, pois ele passaria a desintegrar-se, como costumeiramente faz em su! a aproximação do Sol e estacionaria em órbita de Mercúrio, que tem o tempo de translação mais curto, ficando preparados caso outro corpo celeste ameaçasse a Terra. Sua energia seria retirada de uma usina autômata no planeta.

Mas os anos se passaram e os cientistas ainda não sabiam como engatar os foguetes no cometa. Precisariam enviar uma sonda ao cometa para analisar sua superfície.

E se os foguetes não funcionassem? Se não fossem capazes de alterar a rota do cometa? Mísseis nucleares seriam posicionados no espaço e destruiriam o cometa quando se aproximasse da Terra. Mesmo que os foguetes funcionassem, os mísseis ficariam a postos.

Em 2044 os foguetes estavam prontos para partir para Saturno e seriam levados pela expedição Clarke-Kubrick II que teria duas missões: levar os primeiros astronautas a Saturno e instalar os foguetes no cometa de Halley.

Dois astronautas candidataram-se a missão: Michael Douglas e José Steinzberg. Douglas não foi a! ceito. Já tinha dez anos no espaço. Steinzberg tinha nove. Portanto seria sua última viagem. Estava com 45 anos e era uma das maiores autoridades em física espacial do sistema solar. Quando retornasse a Terra, seria indicado para a vice-presidência do Consórcio Espacial.

Em 1 de agosto de 2045 entraram em órbita de Saturno.

Steinzberg e os outros olharam pela janela da nave Clarke-Kubrick II e durante muitos minutos apreciaram, a vastidão espetacular dos anéis de Saturno. Que poderia ser mais belo no Universo do que aquilo? Os astronautas sentiram pena dos outros humanos, que não estavam ali para presenciar o espetáculo.

A sub-nave Basco saiu de dentro da Clarke-Kubrick II, carregando os quatro foguetes. Halley estava a 400 milhões de quilômetros de Saturno e a nave chegaria no cometa em 18 horas. Após a instalação, parte da tripulação entraria em outra sub-nave, apelidada de Monolito II e entraria em Saturno. ( A Monolito I entrou em Júpiter). Achand! o um local estável, pousariam no solo saturniano e a nigeriana Tanya Tafawa Harcourt seria o primeiro humano a pisar em Saturno. Steinzberg queria estar na nave Basco, mas não tinha necessidade. Os robôs da nave instalariam os foguetes no cometa, com o monitoramento do cientista.

A superfície do cometa era bastante irregular e quebradiça. A periódica aproximação do Sol não havia permitido nenhuma sedimentação no Halley. O problema estava previsto. A nave soltou sua gigantesca malha metálica que circundaria o cometa. A malha de 40 km de extensão logo envoltou o cometa e os foguetes foram dispostos sobre ela, na mesma latitude, em lados opostos, formando um quadrângulo.

Foi quase tudo realizado com perfeição. Só o robô do quarto foguete apresentou uma disfunção, não conseguindo acoplar o foguete à malha.

Steinzberg deu ordens ao robô número 3 para que realizasse o trabalho do defeituoso 4. Neste instante um tremor abalou a superfície do cometa, fazendo ! com que um bloco de gelo desprendesse-se de seu solo, atingindo os dois robôs. Felizmente o foguete não foi atingido mas não tinha agora como ser instalado.

26 horas depois, a colossal nave Clarke-Kubrick II estacionava sobre o cometa de Halley.

Uma porta se abriu e os astronautas contemplaram por alguns segundos a vastidão de montanhas de gelo do cometa. Quatro desceram. O espanhol Pedro Rubens, geólogo, iria recolher amostras do solo do cometa. O americano Stephen Wisemann, químico. E a nigeriana Tanya Harcourt. O primeiro homem a pisar no Halley seria José Steinzberg.

Amarrado a Clarke-Kubrick II, Steinzberg flutuou em direção ao cometa e quando pousou, sentiu um frio atravessando sua coluna vertebral.

Será que um dia alguém imaginou que homens andariam no cometa de Halley?

Os outros astronautas chegaram ao solo do cometa, também extasiados. Tão extasiados que deitaram no cometa, acariciando-o, como se fosse um ser vivo.

Ins! talaram o foguete na malha e depois todos os astronautas da Clarke-Kubrick desceram no cometa, revezando-se na espaçonave.

Foi um sucesso. Os foguetes desviaram a rota do cometa, que deu a volta ao Sol e continuou a viagem perlo sistema solar até visitar a Terra novamente em 2138 e nos próximos 300 mil anos.

Trezentos mil anos se passaram e seria a última vez que Halley passaria pela o Terra.

Um extraterrestre que passasse pela Terra iria achar não haver nela vida inteligente. Edifícios dasabitados e cidades inertes, desertas. Apenas animais andando livres pelo planeta. Onde estariam os seres humanos?

Também as estações espaciais e planetárias estavam vazias, desertas.

Quem iria avistar pela última vez o cometa de Halley, já débil e próximo da morte, com não mais de quatrocentos metros de diâmetros?

Atingiu a área orbital de Marte. A partir deste ponto começaria a desintegra-se.

Em algum ponto do espaço ou do tempo, no ! Universo, os seres humanos ainda estavam vivos. Mas eram um só corpo, uma só energia, uma só mente. Já conheciam todo o Universo e até o que havia além do Universo. Viam estrelas nascer e morrer. Vivenciavam toda a extensão infinita da existência do Universo.

Com a vontade desta única mente, concentraram sua energia no cometa Halley e o colocaram em órbita do planeta Marte. Não iria mais morrer.

Seja infinito como nós, amigo.

(1997)

Rynaldo Papoy - Paulistano, 32 anos, autor de mais de 20 peças teatrais.  Diretor de filmes trash, baterista em tr~es bandas de rock, entre 1996 e 1999.  Trabalha como Sushiman na Avenida paulista.

 

© Rynaldo Papoy  2003.

  

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