Queremos Elvis
Alberto
Mario da Rosa
O homem chamado Giuliano
Pisciota estava de pé, de frente para a janela, cujo vidro tinha a
espessura suficiente para barrar um míssil ou a bala disparada por
algum atirador. Ele encostou a palma da mão esquerda no vidro e
inclinou o corpo até que sua testa encostasse no material transparente
e frio.
Fazia um dia
maravilhoso lá fora e, por alguns instantes, ele esqueceu de suas
preocupações. Os operadores de tráfego aéreo chamavam esses dias, em
sua gíria, de ?Tevi? (teto e visibilidade ilimitados). Por um momento
ele desejou poder caminhar descalço pela grama macia, bem cortada. Ou
apenas podar as árvores mais baixas como o rapaz que passava embaixo da
janela fazia naquele momento. Sem responsabilidades, pressões, pesar os
prós e contras de qualquer decisão, por menor que ela fosse. Mas ele
sabia que isso, infelizmente, era impossível. Cada gesto, cada palavra
sua, movimentava milhões de um lado para o outro e influenciava a vida
de bilhões de pessoas. Pois ele era o Presidente das Américas Unidas.
Respirou fundo e deu
meia-volta. Olhou para os homens e mulheres sentados na mesa principal,
movimentando-se de maneira frenética.
"Parece que eles são
movidos somente a café, cigarros e garrafas de água mineral", -
pensou.
Secretários,
assistentes, militares, todo mundo importante nas Américas Unidas
estava ali. Os de maior grau ficavam sentados em suas cadeiras, lendo
os intermináveis relatórios que chegavam de minuto a minuto. E seus
subordinados, pessoas de alta confiança e competência absoluta, iam e
vinham, como se fossem sinais eletromagnéticos em cabos de fibra ótica.
O Presidente sentou-se. Às suas costas via-se o brasão circular com a
águia, símbolo da liberdade. Nesse exato momento ele estendeu as mãos
para o alto e inclinou sua cadeira para trás. Ele viu, de cabeça para
baixo, a figura da águia.
"A liberdade! Nossa
amada liberdade. Segundo as atuais circunstâncias" - pensava ele - "ela
desaparecerá da face da Terra. A partir de hoje seremos escravos".
Estendeu a mão para
pegar a garrafa de água mineral à sua frente. Tomou um gole enquanto
pensava rapidamente. 'Ajeitou" a voz e, após muito tempo de reflexão,
falou:
- Senhores! Como
estamos?
Todos pararam no mesmo
instante o que faziam e olharam para o homem sentado na ponta da mesa.
Um general mais descuidado havia se esquecido por completo de onde
estava e havia colocado os pés sobre a mesa, na tentativa de dormir
durante alguns poucos minutos, por breves que fossem... O Presidente
era em muitos sentidos um liberal, um progressista, mas em outros
extremamente conservador. Hierarquia, para ele, era um dos pilares de
uma democracia forte. Algo sagrado. Respeito à autoridade superior, um
de seus principais credos. Mas ele também era um homem justo, sabia a
enorme
tensão pela qual passavam aquelas pessoas, naquela ocasião especial.
"São todas pessoas calejadas, experimentadas?" - pensou o
Presidente.
"Mas esse acontecimento
é único. Não há como tirar conclusões ou criar hipóteses para algo tão
inesperado..."
Se a humanidade
superasse essa crise, os historiadores, no futuro, descartariam a
contagem de tempo ocidental-cristã, A.C. (Antes de Cristo) ou D.C.
(Depois de Cristo). Passariam a adotar o ?Antes da Crise" e o "Depois
da Crise". Ou até mesmo, conforme sugestão de um repórter da Newsmonth,
"Antes Deles" e "Depois Deles". Isso se houvesse o "depois", sugeriram
outros repórteres quase que imediatamente, em suas colunas escritas às
pressas, no calor desse grande fenômeno.
Na ponta da mesa, à
esquerda do Presidente, sentava uma ítalo-americana de 38 anos chamada
Carla Holdsworth. Alta, vigorosa, especialista em direito corporativo
(especialmente o litigioso), era uma mulher corajosa. Ela era a
Secretária de Defesa Mundial, juntamente com seu colega Jean L´apiel (da
Europa) e o russo Vladimir Ilitch Cheriov (da Comuna). Os três formavam
o grande "Triunvirato" da defesa. A cada período de 3 anos, um deles
assumia a liderança das decisões em escala global e, como estavam em
2219, Carla ocupava esse posto atualmente.
Mas esse acontecimento
fizera ela perder a coragem. Todos esperavam que a primeira voz a se
levantar da mesa fosse a dela. Mas ela ficou quieta, abatida.
Ela arrumou os papéis
sobre a mesa e instintivamente levou a mão esquerda até o alto da
cabeça para ver se o coque estava no lugar. Isso e um traje
azul-marinho passavam aquela imagem de respeitabilidade, aliada a sua
capacidade de articulação e seu passado como advogada competente,
produziam uma boa impressão por todos os lugares onde passava. Mas ela
estava estranhamente apagada nesse momento.
"Ela não está preparada
para momentos de crise?" pensou o Presidente.
"Uma pena, mas se
sairmos dessa, ela será substituída".
Um pensamento rápido
passou pela sua mente:
"E se clonássemos
novamente o Henry Kissinger?" Pensou nas conseqüências em ter Henry
Kissinger, o imbatível "Sr. Secretário de Defesa", no posto pela
décima-segunda vez, desde sua primeira morte há tantos anos atrás...
"Concentre-se Giuliano, concentre-se..."
- Tentamos nos
comunicar de todos os postos de escuta espalhados ao redor do globo,
senhor. Sem resposta.
- Como sem resposta"
Isso é impossível! Afinal, o que eles querem?
Ninguém mais falou
nada. Não havia o que falar. Aos poucos a correria frenética voltou com
força, e tudo estava como antes. O relógio na sala marcava 13 horas.
O Presidente sentou em
seu lugar e recomeçou a ler o relatório de progresso da situação.
Aparentemente aqueles serem possuíam tecnologias muito mais complexas
que a terrestre, pois simplesmente tomaram a Terra de assalto, deixando
imensas naves em órbita espalhadas por diversas cidades, especialmente
as mais populosas. Quem morasse em Londres, Nova Iorque, Los Angeles,
Rio de Janeiro, Porto Alegre, Nova Delhi, Toronto, Paris, Frankfurt, e
outras milhares de cidades, teria a impressão de que um teto metálico
havia surgido no céu. Tão grande era a extensão dessas naves que
dificilmente alguém que estivesse no chão conseguiria avistar as duas
extremidades dela só com o uso da visão.
Quando radiotelescópios
e as forças armadas de diversos países notaram aqueles estranhos
objetos, era tarde. Diversos caças tentaram contato e houveram casos de
ataques com mísseis, que aparentemente, nem arranharam as
naves alienígenas. Houve o contra-ataque, é claro. E todos os caças
agressores foram destruídos por ondas subsônicas.
- Ondas subsônicas?
Essa não. Nós não estávamos trabalhando nisso?
- Perfeitamente, senhor
Presidente. Mas nossas ondas são efetivas para alvos a no máximo 200
metros. Essas naves dispararam seus raios de uma distância até 100
vezes maior ? respondeu um analista próximo.
"E porquê nenhuma das
naves sobrevoa Washington". Talvez nós não sejamos importantes para
eles. Eles sabem que o poderio norte-americano, a única superpotência
da Terra, não é párea para eles. Eles atacaram sem hesitação, então
sabem disso...?
Horas após a "invasão",
as comunicações terrestres estavam sob controle daqueles seres. Tudo o
que indicasse a preparação de um contra-ataque, sinais militares,
códigos de alerta, tudo era suprimido pela interferência daquelas
naves, pelo uso de uma tecnologia muito superior à nossa.
O presidente leu o
relatório e ficou surpreso. Nenhuma exigência. Nenhum sinal. Ficou
pensativo durante algum tempo e notou que precisava ir ao banheiro.
Caminhou até lá e, ao passar por uma janela no corredor, olhou mais uma
vez para o jardineiro calmamente cuidando do jardim lá fora. Como
ele poderia estar tão calmo?
"Esses dróides. Talvez
eles se sintam escravos nossos e qualquer invasor, por mais estranho
que possa parecer, possa vir a ser o salvador deles..."
Tirou esses pensamentos
da cabeça e fechava o zíper da calça quando ouviu a voz no corredor de
um auxiliar:
- Senhor,
senhor.. "ele entrara no banheiro e quase derrubara opresidente,
que estava próximo da porta de saída". Desculpe senhor.
- O que aconteceu?
- Eles... eles... el..
- Diga homem! O que foi?
- Eles fizeram contato.
De volta à sala
principal.
- O quê isso significa?
Eles fizeram contato mesmo? Mostram sinais de possível agressão?
- Não, senhor. Olhe.
Todos sentaram à mesa
quando as cortinas baixaram e o projetor mostrava as imagens em tempo
real. Exatamente seis naves, cada uma ocupando o vértice de um hexágono
perfeito, dispararam estranhos raios para o centro daquela figura
geométrica imaginária.
- Onde fica isso?
- Em algum ponto do
Oceano Atlântico.
Os sinais combinavam-se
e formavam imagens. Era como se as naves fossem projetores de cinema e
o céu azul sobre algum ponto do Atlântico, a tela branca. Ninguém sabia
que tipo de tecnologia possibilitava aquilo, mas via-se que dava
resultado. Uma holografia com uma área de mais de um milhão
de metros quadrados mostrava uma imagem em tempo real do planeta Terra.
As naves transmitiram
essa imagem para os satélites (?como eles sabem como funcionam nossos
satélites??) e em pouco tempo toda a população do planeta, que havia
simplesmente cessado toda a atividade, olhava para aquele holograma da
Terra. A imagem ficou assim, mostrando a Terra durante exatamente uma
hora e subitamente mudou: ao lado do planeta apareceu um símbolo
composto por diversos elementos gráficos desconhecidos à espécie humana.
As pessoas que
tentavam contato com os seres retransmitiram o sinal para eles,
esperando algum sinal. Imaginaram que se tratava de um teste, como se
'eles" quisessem medir nossa capacidade de inteligência.
Aquilo não deu
resultado. Quando analistas e gênios matemáticos quebravam a cabeça e
supercomputadores esgotavam suas capacidades de processamento quase
infinito para resolver aquele problema, as imagens começaram a mudar
rapidamente...
- O quê eles estão
fazendo? - perguntou um observador inglês, enquanto falava em
videoconferência com colegas de todo o globo, que estavam reunidos à
várias horas sem interrupção trocando impressões sobre aquilo...
Ninguém falou nada.
Aquilo era muito diferente, algo que jamais havia ocorrido na Terra.
Nem nas mais loucas fábulas de ficção científica algo semelhante à
aquilo poderia ter sido imaginado. Quando muitos rascunhavam em folhas
de papel e utilizavam programas de computador para tentar entender
aquilo um brasileiro do Centro de Observação Astronômica, deu a sua
opinião.
Foi a opinião que,
segundo os historiadores do futuro, fez com que entrássemos no jogo...
- Eles são muito mais
avançados do que nós. Disso não resta a menor dúvida. E é certo que
eles estão tentando comunicar-se conosco. Se fosse de outra maneira
eles já teriam arrasado à Terra, começando pelas grandes cidades que
estão sob a sua mercê. Talvez eles estejam tentando achar o canal
certo, como se fossem homens comuns mudando o "dial" de um rádio, à
busca de uma melhor recepção. De um entendimento melhor das coisas. Nós
buscamos a resposta de uma recepção perfeita, eles buscam a recepção
perfeita de que foram entendidos! Opinião aceita e diversos refletores
comandados por computador começaram a mandar para ao alienígenas todos
os tipos de sinais produzidos pelo homem na Terra: sinais de rádio, a
representação dos alfabetos em todas as línguas, os números, sinais de
pontuação, código-morse, etc etc etc... "Eles" devem ter entendido,
pois os sinais na enorme holografia começaram a mudar lentamente. Era
como se eles falassem:
"Se vocês entenderem,
nos digam!!!"
Quando números
apareceram, a transmissão de sinais para as naves parou. Era o nosso
sinal. Agora a holografia, mostrava ao lado um relógio digital
semelhante aos utilizados em relógios por todo o planeta.
Susto maior foi quando
o relógio passou automaticamente de um sinal 1517:422:12, que
aparentemente não queria dizer nada, para 24:00:00. Então o relógio
começou uma contagem regressiva: 23:59:59, 23:59:58, 23:59:57...
Era o sinal de alguma
coisa. Aquilo fora ontem, dia 09. Hoje, às 14 horas do dia 10, o
relógio na enorme holografia mostrava 09:15:14. E continuava em sua
corrida até 00:00:00. Foi então que a holografia mudou novamente...
A imagem da Terra e do
relógio digital passaram para o fundo da imagem, como se fossem um
papel de parede, assumindo um tom opaco. À frente apareceu outra imagem
da Terra e ao lado o relógio digital marcando 00:01:00. A expectativa
das pessoas ao redor do globo aumentava enquanto o relógio passava para
00:00:59. Depois 00:00:58...
Parecia que aquele
minuto não teria fim. Quando o relógio chegou à contagem de dez
segundos do instante zero, a imagem da holografia da Terra (era uma
vista de um observador situado à uma órbita média exatamente entre a da
Terra e a da Lua) mostrou as diversas naves alienígenas afastando-se da
Terra.
Alguns achavam que era
um sinal inequívoco de que eles iriam embora se não conseguissem
contato. Acreditaram que agora não existia mais perigo.
Porém, quando o relógio
chegou à 00:00:00, uma enorme explosão acabou com a vida no Planeta,
explodindo tudo o que existia em direção ao espaço, para todas as
direções. Pessoas começaram a chorar, desesperadas, enquanto outras
ficavam olhando, boquiabertas, para o que haviam visto... Então a
imagem da Terra destruída e a imagem de fundo voltou a ocupar seu lugar
na holografia. Mostrando a Terra intacta e o relógio correndo em
direção ao instante zero...
- Meu Deus! -
disse o Presidente - eles querem acabar com nosso Planeta. Mas
qual o motivo?
Três horas mais tarde e
ninguém havia resolvido o enigma. Agora, todos os centros de
radio-telecomuniação espalhados ao redor do Planeta mandavam todo e
qualquer tipo de sinais para as naves, na busca de um melhor contato
com aqueles seres. Imagens de nossa arte, shows de música rock, óperas
italianas, tudo o que era possível era transmitido para as naves...
Foi então que tudo
mudou...
Não se sabe com
certeza, mas investigações posteriores levam a crer que um locutor
australiano utilizou os equipamentos de uma rádio local, onde
trabalhava, para enviar para ?eles? toda uma seqüência de sons e
imagens de bandas e artistas do meio musical de todos os tempos.
Ele havia começado com
os mais recentes, de todos os estilos, limitado apenas pela quantidade
de fitas-disco disponíveis na rádio. Ele não mandava uma música por
vez, ele colocava dez fitas-disco ao mesmo tempo e comprimia a
seqüência toda em sinais rápidos, enviando tudo em um único pulso de
freqüência. Ele imaginava que aqueles seres, sendo tão avançados,
devessem ter equipamentos para separar os sinais de maneira apropriada.
Ele estava certo.
Ninguém sabia, mas ?eles? armazenavam toda a informação que chegava até
suas naves. Sabiam muito sobre a raça humana, mas não haviam encontrado
o que tinham vindo buscar.
Foi então que um certo
sinal chegou e tudo mudou...
- Presidente,
Presidente!
Ele dormia sobre um
divã, depois de ordenar a todos que fosse imediatamente comunicado se
novos acontecimentos exigissem. Pulou de uma só vez e correu para a
sala principal. Então ele viu a holografia...
- Nossa mãe! Esses
"hackers" vão acabar nos matando. Como eles conseguiram interferir nos
sinais?
- Senhor, esse é o
sinal transmitido por "Eles".
- Não acredito.
A holografia mostrava
uma imagem de um homem dançando, mexendo os quadris. Na hora muitos não
reconheceram a imagem, até que os fãs explicassem:
- Elvis, "The Pélvis".
Elvis Presley? Não
havia dúvidas. Produtores de televisão imediatamente resgataram imagens
de arquivo de séculos atrás e constataram que aquela imagem havia sido
gravada em um show ao vivo transmitido da cidade de Las Vegas, Nevada,
Estados Unidos da América, no dia 14 de Outubro de 1971.
Aparentemente ?eles?
haviam captado as ondas televisivas que viajavam à velocidade da luz,
escapando do sistema solar. E, curiosos, vieram conhecer aquele
estranho ser. A pergunta imediata de todos os especialistas foi:
- Mas... Elvis Presley,
o eterno Rei Do Rock, há tanto tempo morto? Não podia ser Gandhi,
Kennedy, Einstein, talvez até mesmo Hitler, um fenômeno, um homenzinho
insignificante mas que quando discursava fazia tremer as bases de uma
nação inteira. Ou, quem sabe, Jesus?
Mas a grande pergunta
na mente de todos era: o que eles queriam com Elvis? Qual a relação
daquela imagem dele na holografia com a possível explosão do Planeta?
Os analistas e algumas pessoas mais esclarecidas ao redor da Terra
chegaram a mesma conclusão rapidamente. Foi um contínuo com cara de
bobo que informou ao presidente:
- Senhor, eles querem
Elvis. Senão, a Terra será destruída...
- Mas... Elvis está
Morto!
Todos olharam para o
Presidente. Ele sentiu-se envergonhado desse comentário.
- Reunião. Cinco
minutos!
Ordens como essa
indicavam que o Presidente queria apenas os mais graduados consigo. Era
a hora de colocar os pensamentos em ordem.
- Então é isso?
Gastamos milhões, bilhões de dólares em pesquisas de sinais de vida
extraterrestre! Gerações e gerações de pessoas deram o seu tempo,
dedicaram suas vidas para tentar resolver aquela velha questão em suas
mentes: existe vida fora da Terra? Que ironia. Existe sim. Uma raça
mais avançada que a nossa. E eles chegam aqui para compartilhar seu
conhecimento conosco? Não. Tudo o que eles querem é Elvis Presley...
- Senhor, o tempo está
correndo. Dificilmente conseguiremos algum tipo de contato com esses
seres. Precisaríamos de muito tempo para isso... E eles não nos deram
escolha. Eles querem Elvis até... ? olhou para o monitor que mostrava a
holografia ? Meu Deus! Temos apenas 3 horas!
- Sei disso, sei disso.
Mas Elvis já morreu. Está podre. Se pelo menos tivéssemos guardado sua
combinação genética... poderíamos cloná-lo, certo? Um dos militares
presentes, chefe do setor de experimentos das Forças Armadas, falou:
- Como o senhor mesmo
falou, senhor. Poderíamos, se tivéssemos o material genético dele...
- Tenho uma idéia ?
disse Carla.
- Somos todos ouvidos!
- Todos os anos há uma
certa... bem... um encontro... sabe?
- Não, Carla. Diga.
- Todos os anos em Las
Vegas há um encontro de sósias de Elvis Presley...
- E?
- Bom, não seria má
idéia encontrar alguém que saiba imitar Elvis e que se vista de maneira
igual...
- Carla, essa foi a
melhor idéia do dia. Quanto tempo dem... Imediatamente arquitetam um
plano de ação. O tempo é curto e o objetivo "deles" já conhecido. Claro
que eles não podiam divulgar esse plano para a população. "Eles"
poderiam estar escutando os sinais produzidos por nossas primitivas
formas de comunicação.
- E se eles estiverem
lendo nossas mentes? ? perguntou a repórter da Newsmonth.
- Acreditamos que não ?
respondera o cientista ? eles nos testaram durante algum tempo com o
uso de sinais. Se fossem capazes de ler nossa mente eles deveriam
apenas abduzir algumas pessoas para saber o que é e como funciona a
raça humana...
- Mas as pessoas não
são muito diferentes, professor?
- Sim e não. Cultura,
costumes, formas de pensar, diferem muito de lugar para lugar. Mas o
funcionamento do corpo humano, do cérebro, isso não.
Somos todos iguais.
Lembre das pes...
Mas alguns repórteres,
daqueles que trabalham em jornais sensacionalistas, haviam divulgado,
apressadamente, notícias misturando suspense com algumas teorias
apocalípticas, o que levara milhares, milhões de pessoas a entrar em
alerta...
As pessoas, em todos os
países, em todos os lugares, achavam que o fim havia chegado. Multidões
reuniam-se em cultos religiosos em diversos lugares, outros se
suicidavam, orgias misturavam homens, mulheres, crianças e velhos. Em
todos os lugares os saques eram freqüentes, maridos abandonavam as
esposas e os filhos para fugir com a amante para algum refúgio nas
montanhas, empregados cuspiam nas caras dos patrões e despejavam toda
uma torrente de palavrões contra estes, colegas de faculdade declaravam
o amor pelo colega do mesmo sexo, mulheres colocavam o melhor perfume,
a melhor roupa e saíam à rua, oferecendo-se ao primeiro homem que
passasse pela frente...
A humanidade estava
desesperada. O fim estava próximo e tudo valia.
Quando encontraram um
sósia de Elvis, implantaram um chip de alteração de voz em sua
traquéia, para que a voz ficasse igual. Foi um trabalho recorde, vários
peritos gravaram todas as gravações, entrevistas, shows, filmes, enfim,
todas as vezes onde se ouvia a voz de Elvis, eles gravaram.
Passaram para os
computadores e eles, desprezando a voz do tempo em que ele era muito
jovem e no final da sua vida, quando as drogas e a bebida haviam
surtido seu terrível efeito, finalizaram o chip.
Quando o sósia, um
rapaz belga já morando há muito tempo nas Américas Unidas, falava,
todos ouviam a voz de Elvis. O plano havia funcionado até ali.
Deram-lhe instruções rápidas, e implantaram um plugue de comunicação
instantânea no ouvido esquerdo. Se ele precisasse de alguma informação,
os
técnicos a repassariam imediatamente para ele.
Já estava anoitecendo.
Os militares, ao redor do mundo, ordenaram o desligamento total das
luzes em todo o Planeta. Somente ali, em Washington, via-se luz, a luz
de diversos refletores de alta potência dispostos em círculo. Esse era
o sinal para "Eles".
Eles viram. Uma das
grandes naves deslocou-se suavemente, em alta velocidade, de Nova
Iorque para Washington, dominando todo o espaço aéreo da cidade.
- Agora é com você
- disse o Presidente - boa sorte!
- Vou tentar, senhor.
O sósia foi levado até
o gramado, ficando exatamente no centro do círculo. Não havia como
?eles? não o virem. A nave chegou a brilhar por um instante e todos
viram uma espécie de ?porta?, abrir-se, para a saída de uma nave menor.
Não era um disco, mais parecia uma esfera.
- O quê foi esse
brilho? ? perguntou o presidente, confortavelmente sentado em sua sala.
- Provavelmente foi uma
pequena interrupção no sistema de proteção deles. Talvez uma barreira
eletro-magnética, sei lá. Aquele brilho foi o momento do desligamento,
para que aquele, ah, pequeno módulo, pudesse sair.
O sósia encontrava-se
no gramado, com um pouco de medo. Ficou mais tranqüilo quando se
lembrou das palavras de um dos analistas:
- Não se preocupe. Se
eles quisessem acabar conosco, já o teriam feito.
Lembre-se: para "Eles",
você é o nosso líder. Elvis é o nosso líder?
Ele ficou olhando para
o alto enquanto a pequena nave descia. Todas as pessoas ao redor do
mundo, ao menos as que não haviam fugido para as montanhas, ficaram
grudadas aos aparelhos de televisão, viam a insólita cena.
A nave chegou bem perto
dele, ficando a uma altura de 10 metros do solo, e parou. Os cientistas
ficaram espantados ao ver como aquele aparelho voador conseguia ficar
suspenso no espaço, sem qualquer sistema de propulsão visível. Muitos
imaginaram que aquilo se tratava de uma raça que conhecia o
funcionamento da antigravidade. Sim, diziam, é um repulsor de
gravidade... O sósia não sabia o que fazer. Então ouviu a voz ecoando
dentro de seu ouvido, através do plugue de comunicação:
- Levante a mão, Elvis.
Faça o sinal da paz.
O sósia, todo de
branco, usando roupas parecidas com as que Elvis usava, toda cheia de
enfeites, levantou a mão para saudar os alienígenas e mostrar nossas
intenções de paz. Foi quando um raio amarelo saiu do pequeno bólido e o
envolveu completamente...
- O quê está havendo? ?
perguntou o Presidente.
- Parece que eles o
estão analisando, senhor.
Ninguém conseguia ver o
que acontecia. Alguns câmeras focalizavam o local onde estava o sósia,
mas a luz amarela envolvia-o completamente. Tudo o que viam era o
clarão.
- Olhem!
Alguém havia apontado
para o monitor que mostrava a holografia projetada sobre o Atlântico.
Ela havia mudado. Agora mostrava, em detalhes, o que ocorria no
interior do facho de luz amarela: eles o estavam analisando. Não dava
para entender a língua utilizada, mas pelos elementos que apareciam,
alguns químicos compreenderam que se tratava de uma análise química.
- Senhor, ouça "disse
um dos analistas, formado em bioquímica" isto chegou de Vancouver,
Canadá - mostrou um pedaço de papel em sua mão - eles o estão
analisando.
- Analisando?
- Sim. Pelo menos, é o
que parece...
A holografia mostrava um
corpo humano, aparentemente o do sósia, sendo analisado (mais parecia
uma abreugrafia, antigamente chamada, vulgarmente, de exame de raios-X).
Vários sinais apareciam
em uma coluna ao lado, formado por linhas compostas de sinais
indecifráveis. Ao lado de cada um dos sinais via-se uma espécie de
barra diagonal composta por outros sinais igualmente indecifráveis.
Lembrava vagamente uma tabela onde eram mostrados os elementos
componentes de alguma coisa, mas também lembrava a legenda de um mapa
geopolítico do globo terrestre.
Todos, mentalmente,
tinham suas próprias teorias para aquilo. Talvez estivessem verificando
a composição molecular de Elvis, utilizando uma tecnologia desconhecida
para isso. Ou estivessem analisando-o e guardando sua "pista genética",
para mais tarde, talvez, cloná-lo em seu planeta de origem.
Alguns haviam notado,
outros não. Mas o relógio que marcava o tempo até o instante zero, o
momento da explosão da Terra, havia parado. Estava em 02:13:49. As que
haviam notado gritavam e pulavam de alegria, pois achavam que estavam
salvas. Até que então...
O raio amarelo
desapareceu e a pequena nave voltou para dentro da nave-mãe, em
velocidade super-rápida. A trajetória foi impressionante: primeiro ele
deslocou-se paralelamente à superfície da Terra, até ficar exatamente
abaixo da abertura da nave-mãe e subiu em alta velocidade. Tudo em
menos de um segundo. Inexplicável era ele ter feito esse movimento sem
curvas, sempre em ângulo reto.
- Onde está nosso
homem? - disse alguém próximo ao Presidente. "Elvis" não estava mais
lá. Até que alguém focalizou o chão...
- Senhor, veja o que um
dos ?nossos? está filmando.
Todos olharam para o
monitor número 34: onde antes estava o sósia de Elvis, agora se via os
restos de alguma coisa queimada. Na verdade não era queimada, era como
se o corpo tivesse sido sugado de todas as substâncias líquidas.
Somente matéria pesada continuava ali. As roupas, inexplicavelmente,
estavam intactas. Parecia uma roupa saída da máquina de lavar, vestindo
uma múmia de 5.000 anos de idade...
- Puta merda - disse o
presidente - eles o mataram.
Ninguém disse nada.
Aquilo era muito absurdo. Será que eles se vingariam por termos tentado
enganá-los?
- Senhor, senhor... ?
disse Carla, trêmula.
- O quê foi Carla? - o
presidente continuava olhando para o monitor e para os restos de
?Elvis? que ali apareciam.
- A holografia... o
relógio... voltou a contar.
Não, eles não se
vingariam, mas tudo voltava ao início. 02:11:14, 02:11:13, 02:11:12 ...
- E agora? Com Elvis
morto, não temos chance...
- Senhor?
Todos olharam com
espanto. Era o cozinheiro da casa branca.
- Sim?
- Tive uma pequena
idéia.
- Pois então diga meu
rapaz. Estamos precisando de algumas idéias.
- Talvez, não tenho
certeza, eles estejam à procura do verdadeiro Elvis.
O Presidente riu. Todos
riram.
- Isso é lógico meu
rapaz. Se essa era a idéia...
- Senhor, tentamos
impingir um sósia, mas eles não "engoliram".
Aparentemente eles têm
meios para reconhecer Elvis. Então, basta mostrar o lugar onde ele
está...
Todos olharam para o
rapazinho. Alguns davam sorrisos abafados, outros aguardavam a reação
do Presidente para depois segui-lo.
- Meu rapaz, pode ser,
pode ser. Excelente idéia ? avançou à frente e deu um abraço no rapaz ?
se sairmos dessa o senhor será nosso novo Secretário de Defesa. Carla,
sem ressentimentos, certo?
- Mas, senhor, eu não
tenho qualificação para...
- Como não têm? Quem
tem idéias como essa deve ser estimulado a ter mais.
O plano agora era
colocar diversos refletores ao redor do túmulo de Elvis. Tudo o que
estava à volta foi arrancado, árvores, mausoléus, pedras, flores, tudo.
Quando estava pronto, as luzes foram novamente desligadas por todo o
globo e os holofotes ligados ao máximo. No centro do círculo, somente o
túmulo de Elvis.
Uma nave-mãe, como os
analistas a denominaram, voou para lá e estacionou. Da mesma forma que
da vez anterior, o relógio parou e uma nave menor saiu para ficar
estacionada 10 metros acima do solo, 8 metros acima do túmulo de Elvis.
Dessa vez um raio
vermelho saiu de dentro da pequena nave e foi dirigido até o túmulo de
pedra. As pessoas não acreditavam ao ver que a pedra, o túmulo inteiro,
pareceu dissolver-se como pó, espalhando uma pequena nuvem no local que
logo se dissipou na brisa noturna. Um raio verde saiu de dentro e dessa
vez a madeira do caixão desapareceu.
"Um raio
desmaterializador, incrível! Um para cada tipo de matéria..."
Então o raio amarelo
apareceu novamente. Ninguém conseguia ver, mas a holografia mostrava
que o mesmo exame estava sendo processado com o verdadeiro Elvis, com
os seus restos mortais.
- Eles vão quebrar a
cara - disse o Presidente - e, frustrados, vão quebrar o mundo.
Como que para
contradizer suas palavras, a pequena nave voltou para a nave-mãe, dessa
vez em uma velocidade bem baixa, carregando o esqueleto de Elvis com um
raio que mudara da cor laranja para branca. Aquilo desafiava as leis da
física, como poderia um simples raio carregar matéria sólida?
Raios captores.
Fantástico!? muitos cientistas estavam impressionados.
A pequena nave
continuou subindo, subindo, e entrou na escotilha da parte inferior da
nave-mãe, levando Elvis consigo.
A nave-mãe piscou
suavemente e partiu para o espaço, em alta velocidade. Ao mesmo tempo,
ao redor do globo, todas as outras faziam o mesmo. A holografia sobre o
Atlântico não existia mais, a Terra estava salva.
- Alguém pode me
explicar isso? - pediu o Presidente.
Todos o olhavam com
expressões mudas. Ninguém entendera aquilo. Alienígenas "pararam"' a
Terra ameaçando-a de destruição, com apenas um pedido: Queremos Elvis.
E o levaram...
- Bom, só sei de uma
coisa, não vou tentar a reeleição. Depois dessa, adeus política...
A nave já estava no
espaço, acompanhada de suas irmãs, rumo à algum ponto próximo a Alpha
Centauro. Dentro dela viam-se alguns seres, muito parecido com os
humanos. Sem dúvida eles eram humanóides. O esqueleto de Elvis fora
depositado dentro de uma cápsula cilíndrica e imediatamente preenchida
com uma espécie de líquido gelatinoso. Diversos robôs aproximaram-se e
começaram a trabalhar com aquele material, criando novas formas, nova
carne, a partir do esqueleto recuperado no terceiro planeta à partir da
estrela, chamada de ?Sol?, pelos terráqueos.
Em pouco tempo os robôs
afastaram-se e um homem saiu lá de dentro. Ele não era mais exatamente
um terráqueo, mas mantinha o mesmo rosto de quando estava na Terra.
Caminhou até uma mesa próxima, pegou um frasco com algum alimento
qualquer dentro e tomou. Olhou para seus companheiros e falou:
- Puxa, como vocês
demoraram, irmãos. Onde estavam?
- Desculpe-nos. Nossa
missão em Alderãa demorou mais do que o previsto. Como foi?
- Fantástico. Consegui
me tornar uma espécie de ser superior para eles.
Próximo aquilo que eles
chamam de "Deus"'.
- O "Criador"?
- Exatamente.
- E então? Pretende
voltar?
- Acho que sim. Sabe,
eles falam muito na segunda volta de um tal chamado Cristo. Não é
aquele irmão que tinha vindo anteriormente? O irmão olhou os registros
e confirmou:
- Sim, era ele mesmo.
Ele se fez passar pelo filho do "Criador". E realizou alguns milagres...
- E onde ele está agora?
- Em missão na Lua de
Karonte.
- Ah, então ele não vai
se incomodar se eu tomar o lugar dele. Voltarei como Cristo...
- Vai ser bem
interessante? - pensou, dando um largo sorriso.
Conto Registrado na
Associação Gaúcha de Escritores Independentes
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