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ORAI
E VIGIAI, POIS ELES NOS OBSERVAM...!
John
Dekowes
Nathyväria
é um mundo inóspito e misterioso, localizado a leste da Nuvem de
Ogahnt-19k79; o terceiro planeta de um sistema solar recentemente
catalogado, e coberto por uma vegetação escura e oxigenada. Todas as
naves que aterrissam por lá, não demoram quase nada; ficam apenas o
tempo necessário de se esvaziar as cargas de mercadorias no entreposto,
e depois tratam de sair o mais rápido possível. Geralmente, não
carregam nada, como também não transportam nenhuma espécie de produto
originário do planeta, mesmo porque bem poucos se aventuram a penetrar
naquela floresta fechada, inviolável, para pegar alguma coisa exótica.
Muitas
descobertas aconteceram por acaso; inclusive o pântano, quando uma
espaçonave em pane caiu naquela região, ficando quase submersa naquele
lodo enegrecido e fedorento. O desespero dos tripulantes chegou às
raias da loucura, quando descobriram que o salvamento somente viria
horas mais tarde, e isso aconteceria justamente quando o planeta
estivesse entrando na Zona Negra, e a equipe de resgate se negava a
descer naquelas condições. A empresa preferia arcar com prejuízos
totais a perder outra nave. Sabiam que o mínimo de tempo passado
próximo do planeta era risco de vida.
O
único lugar considerado aparentemente seguro, ficava na região centro
oeste, perto da Grande Barreira do Diabo. Um local de difícil acesso,
cercado por um muro vivo de espinhos venenosos, e um despenhadeiro
altíssimo. Ali foi construído o entreposto de abastecimento, dentro de
uma gruta natural. O seu interior era todo forrado de vilaniliun, uma
lona de aço acrílico amoldável, e pelo lado de fora, radares e
sinalizadores de navegação. Em caso de perigo eminente, enviavam sinais
intermitentes de SOS para o espaço, até que alguma nave se
predispusesse a socorre-los.
Mas
porque toda essa preocupação? Em determinadas épocas a rotação do
planeta chega quase a parar, e as noites em Nathyväria se tornam
intermináveis, e os dias muito curtos. O planeta vive continuamente
sendo bombardeado por violentos raios cósmicos, partículas de energias
subatômicas, tempestades de meteoritos e chuvas ácidas. Em conseqüência
dessa profusão catastrófica de fenômenos, eventos e situações
atmosféricas críticas, os seres que habitam abaixo da copa das árvores,
são criaturas estranhas que vivem em constantes processos de mutações,
que variam desde minúsculos e ferozes insetos até gigantescas
aberrações! Criaturas multiformes que vagueiam pela floresta. Não
existe um espécime único da mesma raça, de uma geração. Cada ser ou
animal que nasce em Nathyväria tem uma característica diferente da
outra, chegando ao caos da evolução genética.
Bem, a
essa mesma conclusão chegou uma expedição científica muito bem
preparada, que se arriscou em ir para o planeta estudar a vida animal,
vegetal e mineral.
A nave
ficou pousada sobre quatro pilotis de metais acima das árvores, mas
estranhamente, pouco tempo depois, já estava quase no solo. E a equipe
científica que fora equipada com instrumentação bastante sofisticada, e
mantimentos para permanecerem durante uma semana, no segundo dia, já
suplicavam para que viessem buscá-los, antes que todo o pessoal fosse
devorado, e não podiam escapar com a nave, pois a mesma estava sendo
engolida por uma espécie de parasita de origem animal.
Quando
o socorro chegou, resgatou os dois únicos sobreviventes que restaram.
Estavam aterrorizados, em estado catatônicos. Foram levados para a nave
completamente petrificados. E se passaram muitos meses de tratamentos
até que um deles, a Dra. Ynner, despertou, abaixando a barreira
auto-hipnótica a que havia se submetida. Mas assim que se tornou
consciente, olhou para os lados, e seus olhos se depararam com uma
imensa imagem flutuante do seu planeta Mantus, deu um grito seco e
morreu de um ataque tono-cardíaco fulminante.
A
equipe médica não compreendeu, mas chegou a conclusão que a Dra. Ynner
ao ver o planeta Mantus à distância, pensou que ainda estivesse em
Nathyväria, e não resistindo a uma nova carga emocional, entrou em
estado de choque, morrendo logo em seguida. Mudaram o outro
sobrevivente para um outro ambiente mais adequado: sem imagens, sem
nada. Apenas uma música instrumental bem relaxante, para que o seu
despertar do inconsciente fosse de forma mais tranqüila. E realmente, a
melodia foi um fator decisivo, pois o Doutor Helyss despertou
suavemente; seus olhos se abriram, ele permaneceu estático. Sua mente
se desanuviou e começou a identificar e conhecer tudo ao redor. Foi lhe
dado esse tempo para que pudesse se habituar novamente à realidade do
real, e não a uma somatização do imaginário. E passou-se algum tempo,
até que então, um dia ele se ergueu e pediu para falar. Não conseguia
mais viver com aquelas imagens terríveis povoando a sua mente.
Precisava se libertar, antes que cada pensamento seu tomasse vida, e
ele perdesse o controle da sua existência. Vivia em estado constante de
auto-observação para que sua memória não fugisse, e os demônios que
povoavam a sua imaginação não invadissem seu corpo.
“Sou o
Doutor Helyss More, cientista exobiólogo, natural de Mantus, planeta
Gêmeo; catedrático em Antropologia Espacial e Mentalizante de 5ª
geração. Encarregado de uma equipe científica para uma missão de
reconhecimento e pesquisa ao planeta Nathyväria, no sistema solar
descoberto...” - parou e respirou um pouco.
“...Estou
dizendo isso, para que não pensem que estou delirando. Estou consciente
das minhas faculdades pluri-neurais... Contudo, o que vou narrar, pode
de vez em quando afetar o meu padrão-psique, mas será devido a grande
comoção e experiência que passei naquele setor, e naturalmente, irei
desbloqueando em tempos a memória...”
“...Bem,
tudo começou quando chegamos em Nathyväria... e a nossa nave fincou
suas quatro hastes de segurança na superfície nathyväriana.
Aconselhamos ao piloto a agir desta maneira, para que pudéssemos,
primeiramente, analisar a atmosfera e as partículas ionizadas que caíam
do espaço, antes que se misturassem com o ar impuro abaixo da
vegetação. Uma plataforma havia sido estendida, cobrindo uma extensa
área ao redor da espaçonave. Bem, vocês sabem como funcionam esses
tipos de plataformas... possuem suportes aéreos autocondutores, isto é,
se nivelam automaticamente acima de qualquer coisa. Fixa...”
“...A
primeira pessoa a perceber algo diferente foi a Doutora Ynner. Ninguém
havia notado nada, mas a vegetação abaixo de nós, assim como a nave,
estava cedendo imperceptivelmente. Era como se alguma coisa,
traiçoeiramente, estivesse nos preparando uma armadilha. Pressentíamos
isso. Praticamente, só tivemos tempo de recolher alguns equipamentos e
nos protegermos dentro da nave. Mas não conseguimos dar a partida. Os
motores pareciam estar entupidos. Só sentimos quando pousamos sobre
algo bastante viscoso, depois a pressão que se fazia contra a nave,
forçando-a para baixo... e o som de coisa pisada, esmagada! Ainda
estava claro, e pelo lado de fora, tudo parecia normal... Normal aos
nossos olhos, até observarmos com mais atenção. Descobrimos que olhar
simplesmente, não significava nada, não víamos nada! Precisávamos olhar
firmemente, mais atentamente, procurando não desviar os olhos o mínimo
possível, para entendermos o que realmente estava ocorrendo ao nosso
redor. A princípio pensávamos que era algum fenômeno ótico, decorrente
dos constantes bombardeios cósmicos, e do ar quase rarefeito, mas
descobrimos que estávamos enganados. Ou melhor, estivéramos equivocados
desde que iniciamos as nossas pesquisas aqui em Mantus. A própria
atmosfera é composta de criaturas vivas que se metamorfoseiam de acordo
com o cristalino dos nossos olhos. Em verdade, a Doutora Ynner só
percebeu o que estava acontecendo, devido a sua mente se encontrar num
desnível abstrato, e totalmente concentrada no seu trabalho. Nós que
analisávamos composições alquímicas e eólicas, estávamos sendo
manipulados por alguma força... Acho que não era nenhuma força
estranha, mas os seres, as criaturas mutantes daquele planeta...”
“Mas
então, tivemos que olhar fixamente; porém não era só permanecer com os
olhos parados em determinados pontos... Tínhamos de fixar com a nossa
mente, até nossos olhos arderem e o nosso cérebro se fender em milhares
de pontos, nos levando a um estágio de dor insuportável. E nesses
momentos é que víamos o que realmente habitava aquele planeta. Milhares
de olhos vorazes e cruéis nos espreitando, aguardando o momento de
atacarem! O nosso piloto lançou pedidos de socorros, até que o seu
transmissor foi digerido por algo desconhecido, que também o atacou aos
poucos. Primeiro perdeu uma parte do braço esquerdo e do estômago. Ele
não esboçou nenhum gesto ou expressão de dor, e nem vimos sangue;
depois suas pernas desapareceram e seu corpo tombou na plataforma, em
seguida, o que restou do seu tronco, foi estraçalhado bem a nossa
frente... e não escutamos um gemido sequer. O Doutor Abynnel correu
para o interior da espaçonave... Por um instante, percebemos que
estávamos fora da nave... Não sabíamos como isso acontecera... Então o
nosso desespero aumentou...”
“...A
imensa clareira que a plataforma havia formado, parecia que ia se
encolhendo... O espaço estava reduzido à metade. Apesar de estarmos
atento, quase que hipnotizados, procurando não deixar passar nada
desapercebido, eu havia observado umas arvores altíssimas a pouca
distância, e pensava que, de repente, poderia ser aquela a nossa
salvação até a chegada da equipe de resgate. Gritei para todos a minha
idéia. Também começava a acontecer o que eu mais temia naquele planeta:
a escuridão. Apesar de Nathyväria estar passando pelo período de noites
curtas e dias longos, estar ali, um segundo a mais era como se fosse
uma eternidade...”
“Ligamos
as auras defensivas dos nossos trajes e partimos, orando para que tudo
desse certo. e conseguíssemos alcançar as árvores antes do anoitecer.
Enquanto caminhávamos, era como se a própria vegetação se afastasse ao
nosso contato, mas a gente percebia faíscas elétricas saindo das nossas
vestes. Eram pequenas serpentes procurando pontos vulneráveis para um
bote fatal. E de repente, vimos a Doutora Rhenya ser engolida viva por
uma espécie de sáurio monstruoso, surgido do meio mata. Não tivemos
tempo de esboçar nenhum gesto de ajuda, pois assim como surgiu num
relâmpago, desapareceu sem deixar vestígios... Apressamos os passos, e
depois cada um foi subindo desesperadamente pelos galhos das árvores,
quando principiou a chover e a noite veio depressa... A chuva ácida
começou a causar danos em nossos trajes, que era praticamente a nossa
única defesa, a nossa barreira de proteção contra aquele ambiente
hostil. A energia começou a falhar, e não víamos mais ninguém. Nunca em
minha vida, havia visto trevas tão densas como aquela. Até as grutas
mais profundas que existentes em Mantus nos permitem, ao menos,
pressentir o que se passa ao redor. Lá não... era como se estivéssemos
isolados dentro de um buraco infernal, pronto para virarmos o banquete
de alguma besta fera... Besta fera não seria o termo certo... nem sei
que nome daria. Subi pelo tronco de uma arvore; agarrado a ele como se
fosse o último sopro de vida, e com terror de soltar-me para ir
galgando... centímetro por centímetro. Na minha mente só havia uma
oração... meus olhos estatelados e doloridos atravessavam poucos
milímetros daquela escuridão à minha frente. Vigiando o que havia de
vir... e vi quando um dos nossos carregadores foi atingido por uma
sombra demoníaca, disforme, e despencou num grito de agonia. Eu senti
quando algo pastoso e áspero passou rente ao meu corpo e foi
dilacerando parte do meu traje, depois, agarrou a Doutora Bannyer, bem
ao meu lado. Fechei os olhos apavorado, aguardando a minha hora... só
escutei os gritos de dor, de desespero e o som de ossos partidos. Mas
não foi somente uma vez... até agora, ainda ouço dentro de mim cada
pedaço de osso do seu corpo sendo triturado, como se aquele animal
mastigasse cada naco de carne, bem lentamente saboreando cada momento
de tortura e tormento atroz, enquanto ela gritava em agonia... E eu
escutei a sua dor até o seu último instante de vida. E não pude fazer
nada!!!! ”
Ele
parou. Seu coração torácico pulsava em um nível crítico, enquanto o
outro coração estava num ritmo cardíaco mínimo. Os médicos se
alvoroçaram. O doutor Helyss More ergueu os quatro braços,
maquinalmente, e, enquanto os membros superiores massageavam suas
têmporas, os inferiores comprimiam e soltavam o plexo. Era o
procedimento médico conhecido de primeiros socorros para se acalmar, e
equilibrar os batimentos bitonocardíacos. Depois de um breve momento
nesses exercícios, pediu um copo de “Dröpura”; e lhe serviram uma
espécie de copo com dois tubos transparentes saindo do seu interior.
Colocou os dois canudos na boca e pôs-se a sugar, fazendo um ruído
áspero. Imediatamente começou a ingerir um líquido esverdeado e outro
azulado. Mais relaxado, devolveu o copo e continuou:
“Orar
e vigiar. Esvaziar a mente de qualquer pensamento, emoção, e se fixar
sempre nas mesmas palavras...vigiar... estar atento; com a mente vazia,
e sempre com a máxima atenção ao qualquer ruído...olhos fixos, parados,
sem nenhuma amostra de fraquejo. Nunca sofri tamanha tortura em toda a
minha vida, quando a chuva ácida se misturou com as minhas lágrimas...
era como se meus olhos tivessem soltados em órbita, e sendo espetados
por minúsculos espinhos... uma dor alucinante invadia o meu cérebro! E
chegou um momento em que eu não sentia mais nada; estava completamente
anestesiado. E assim, consegui chegar a copa daquela árvore e fica lá
em cima, imobilizado, apenas aguardando a minha hora de ser devorado...
Eu já até implorava para que o momento chegasse rápido, pois não
agüentava mais aquele sofrimento... Aquela ansiedade! Não sei o que
aconteceu aos outros, mas quando começou a clarear, eu vi toda a
vegetação viva ao meu redor... vermes gosmentos passando sobre meu
corpo, penetrando para dentro do meu traje, eu senti o meu corpo ser
invadido por bichos, ser mordido nos ferimentos... e não podendo fazer
um movimento sequer. Acho que por isso me salvei... fiquei tão
impregnado do cheiro podre daquela floresta, que as criaturas
peçonhentas nem se deram conta de mim...”
“...Eu
nem sei como consigo me lembrar disso tudo. Sei do que estou falando,
mas a minha mente não guarda nenhuma lembrança... só sei que preciso
orar e vigiar... pois eles nos observam!”
E a
sala ficou à meia luz. E a mesma musica suave iniciou seus acordes num
volume baixo, e foi aumentando gradativamente, para que o Doutor Helyss
More absorvendo cada nota melódica, relaxasse e repousasse a sua mente.
Durante muito tempo o planeta Nathyväria foi esquecido. A notícia do
terror passado pela equipe científica afastara os incautos e
aventureiros para bem longe. Até hoje ninguém se arriscou a permanecer
por lá mais que o necessário. As naves que por ventura se arriscam
aterrissar no planeta, o fazem por questões de comércio pirata, na cata
de coisas exóticas, assumindo todas as conseqüências. Contudo, para
Nathyväria não ficar completamente abandonado, e por motivos
estratégicos também, foi criado um posto de vigilância e um entreposto
de abastecimento, para suprir as necessidades do vigia; um humanóide
neuro-robotizado que apreciava a vida selvagem, e não prestava a mínima
atenção às enormes aranhas, nem as lagartas ou lacraias que invadiam o
seu local de trabalho, preocupando-se apenas com os cabos e as caixas
de energias que o recarregavam continuamente.
NOTA
DO NAVEGADOR: Se vocês pensam que termina assim, estão
enganados. Tempos depois, uma comitiva do planeta Mantus solicitou em
carta científica, uma investigação mais profunda no planeta Nathyväria,
e a O.N.F.I. - Organização das Nações Federativas Intergalácticas, fez
uma incursão para o interior do planeta e descobriu uma tribo de seres
exóticos. O nativo levado ao Conselho das Nações habitava dentro de uma
bolha transparente e gosmenta, possuía um imenso poder mental, e
esclareceu que “os fenômenos acontecidos com a equipe de cientistas
eram naturais, pois suas mentes já estavam induzidas àquelas
ocorrências. O que esperavam que acontecesse, aconteceu”. Hoje, o
planeta Nathyväria se denomina Terra; adquiriu outras características
atmosféricas e geológicas, com um ecossistema espetacular. Os seres que
habitam nela são realmente uns privilegiados!
© John
Dekowes 2002-2003.
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