Contos do Navegador
 

MUITO ALÉM DE UM SIMPLES DESEJO

 

John Dekowes

 

Os qwarliks, atualmente, passam por um processo de mutação genética e reestruturação biomolecular; e estão se adaptando as características humanóides, numa via-crúcis que já dura mais de 10.000 mil anos; entre saltos de geração espontânea e amadurecimento precoce da raça, através de acasalamentos com fêmeas e machos de outras espécies do universo.

Encontrar o planeta Terra foi praticamente uma obra do acaso. Não fazia parte do programa de abordagem nenhuma viagem - em especial - para aquele setor da galáxia, pois acreditavam não existir forma de vida inteligente por aquelas bandas. Quando por um erro de cálculo dimensional, a nave surgiu na estratosfera de um mundo completamente diferente do especificado no painel estelar. O primeiro gesto de Txyinno; depois de praguejar sobre os instrumentos feitos pelos andróides Khloss e adquiridos por uma bagatela, foi colher mais informações a respeito das espécies, a titulo de curiosidade, daquele sistema. Não lhe custava nada, já que estava ali mesmo.

Abriu os canais de comunicação, os receptores, os filtros adjutores idiomáticos instantâneo... E foi um choque. A primeira imagem que recebeu, em sua gigantesca tela polimínica, o deixou atônito, paralisado...  e depois, permaneceu em estado catatônico por mais algum tempo, enquanto as imagens tumultuavam a sua mente. Há milhares de anos a sua raça vagava perdida pelo espaço, sem nenhuma esperança... e ali estava aquela que, justamente, abriria o caminho para o fortalecimento do gene qwarlikiniano; e a resposta para todos os sofrimentos suportados em milhões de Eras. Ele encontrara a raça genuína! 

Um estudo antropogênico deu ao qwarlik, a noção e a certeza de que finalmente havia encontrado a paz e o descanso para o seu povo.

Estava ciente de que suas buscas haviam terminado. A sua excitação era tamanha que precisava, há quase todo o instante, ordenar os pensamentos. Um guerreiro qwarlik devia estar sempre atento e calmo para enfrentar qualquer situação, mas fora surpreendido com algo muito mais além da rotina.

Antes de comunicar a descoberta ao seu povo, necessitava de mais dados, tais como: descer ao planeta, pesquisar, ver como era cada criatura... tocar, sentir. Coisas que acabava de descobrir, e outras que lhe eram completamente desconhecidas. Mas antes de qualquer aproximação, precisava de mais material. Saber como viviam, como agiam, comportamento, meio ambiente e, principalmente, como se acasalavam. O processo de procriação era o mais importante. Em outras épocas, haveria uma invasão imediata, a raça seria dominada, e os cientistas viriam obcecados para fazer experiências, exterminariam com as criaturas, e depois, chegariam a uma conclusão de que elas não serviam para seus propósitos. Isso já acontecera em outras épocas.

Colheu o máximo de informações possíveis, assimilou o idioma e depois ficou aguardando o momento certo para aterrissar: quando a estrela amarela, denominada de sol, se pusesse abaixo do horizonte, e os humanos se recolhessem em letargia.

Invisível, a nave desceu dentro de uma clareira, indicada pelos instrumentos, mas próxima de um local de fraca iluminação. Tão logo pôs os pés em terra, passou a pensar como uma criatura humana. Equacionar, triangular, dimensionar... arranjar um lugar para ficar ou se esconder. A única coisa que precisava para a sua sobrevivência, era um pequeno aparelho que poderia se passar por um “pager”, segundo a orientação que recebera dos instrumentos de reconhecimento de fabricação Khloss. Através dele poderia se orientar pelo planeta, além de estar constantemente em contato com a sua nave. Saiu por um portão, e logo depois se viu cercado por um trânsito intenso, e por criaturas que se movimentavam para todos os lados. De imediato, sentiu uma vontade enorme de retornar para a segurança do espaço, mas ao mesmo tempo, era impelido por uma força interior a prosseguir com a missão. Notava que algumas criaturas ao passarem por ele, fitavam-no de maneira curiosa, e até com certo ar de surpresa. Não compreendia o porquê. Deveria ficar preocupado?

E de um momento para o outro, estava no meio de uma multidão de humanos de várias idades, cores, aspectos e tamanhos diferentes, porém nenhum lhe prestava atenção. Vez ou outra, quando seus olhos observadores se encontravam com outros, a pessoa mexia a cabeça num gesto de cumprimento. Gente estranha com roupa esquisita!

Uma figura uniformizada e toda sorridente surgiu a sua frente, e lhe estendeu um objeto vítreo aquoso. Recuou. Ela insistiu até ele segurar. Depois, indicou com um maneio de sobrancelhas, uma criatura num canto; afastada do tumulto, sentada sozinha em uma mesa, que lhe enviou um sorriso enigmático. Permaneceu parado onde estava, contudo, viu quando ela se ergueu e veio em sua direção.

Txyi-nno era um ártropo-humanóide de uma linhagem poli-híbrida de 3ª geração, cujo processo de mutação externa era perfeito, idênticos àqueles seres. As adaptações que fizera no exoesqueleto foram mínimas, e conseguira se transformar num protótipo humano exemplar. Com 1,84 de altura, ombros largos, cabelos num corte bem moderno, acima cortado à escovinha, e abaixo, grandes mechas de cabelos presos num rabo de cavalo. Trazia um óculos escuro preso numa corrente de prata, e deixava transparecer bíceps fortes por baixo de uma camiseta regata cinza. E seus olhos de um azul profundo, observavam a tudo com muita curiosidade.

A sua estratégia seria: chegar e conhecer o ambiente; depois, esperaria uma oportunidade para investir num ataque fulminante sobre uma fêmea da espécie e concluir a missão, de acordo com os seus métodos. Mas foi uma fêmea de olhar insinuante, e de cabelos loiros, longos e esvoaçantes quem investiu primeiro. Ela se aproximou, e ele ficou calado... Apenas observando. Depois, disse umas palavras e ela deduziu que fosse algum estrangeiro perdido. Convidou-o para a mesa onde estava, mas foi logo puxando-o pelo braço. Ele sentia um cheiro, um perfume diferente vir daquela fêmea. Ela liberava uma fragrância que começava a mexer com o seu metabolismo. Num breve momento ele roçou com a sua boca na pele dela, e a sua química qwarlikiniana se agitou. Mal se sentaram à mesa, ela chamou a garçonete e pediu a conta. Minutos depois saíram. Enquanto iam para algum lugar, ele pode analisar melhor a criatura a sua frente. Fez uma rápida comparação com as figuras ilustrativas que vira na tela de bordo. Corpo curvilíneo, bem recheado, nádegas rígidas e fartas, pernas bem torneadas, e ao caminhar mais adiante, era como se exercitasse alguma dança de acasalamento.

No estacionamento, ela parou perto de um veículo e puxou-o contra si bruscamente, lascando-lhe um beijo. Apenas procurou manter-se controlado. O momento não era aquele, e a fêmea ainda não estava preparada o suficiente. Desvencilhou-se dela. Ela compreendeu através de um sorriso. Abriu o carro. Ele prestou atenção como ela fazia e procedeu da mesma maneira.

Foram para um local que ele identificou como apartamento, a morada dela. Assim que chegaram, a fêmea nem lhe deu tempo de inspecionar o lugar, e foi logo o arrastando para a cama. Ele também já não agüentava. Mais um pouco e se revelaria. O tesão entre ambos era alucinante. Mas antes que a fêmea fizesse qualquer movimento mais insinuante, ele tomou a iniciativa. Não podia perder tempo. Havia observado que a criatura era perfeita; tinha peso, corpo e altura para procriar, e estava fértil. Envolveu-a nos braços e aos poucos foi levando-a a loucura. Em si, era a primeira vez que saboreava o gosto do suor, sentia o contato da pele humana, o cheiro forte que emanava do sexo da fêmea; a maciez da pele, os cabelos que lhe faziam cócegas no nariz, numa experiência inusitada... e ele, já havia feito a criatura chegar quase ao orgasmo umas três vezes. Para alcançar o seu objetivo: o acasalamento, a fêmea tinha de liberar determinadas enzimas, que eram importantes para o desenvolvimento das suas células mutantes. Até que foi puxado pela cabeça, e pode perceber que a mulher estava pronta. Pela sua expressão no olhar semi-aberto, pelas suas narinas dilatadas, pela sua boca intumescida, pelo calor que emanava do seu corpo... estava mais do que preparada.

- Vem...- disse ela numa voz rouca e quase sumida, numa súplica.

E se abriu toda para receber aquele macho fantástico. A princípio parecia que era um pênis, como todos os que ela já conhecia usualmente, mas a medida em que ele foi penetrando, e o seu prazer aumentando, procurava encontrar uma posição a qual pudesse senti-lo mais profundamente. Todo o seu corpo fremia com um desejo incontrolável. Experimentava pequenas fisgadas no útero, seguidas de uma sensação tênue de dor, mais que lá no íntimo aumentava ainda mais o seu prazer...

E novamente o seu orgasmo foi se aproximando...

Procurou cruzar suas pernas ao redor do corpo dele, e sentiu que algo - como agulhas afiadíssimas - lhe fincavam nas coxas. Mesmo com a dor, apertou-o contra si ainda mais. Deixava-se levar. Sentia que a sua língua era sorvida, sugada, seu corpo era tratado com uma suavidade incrível. Não queria se separar dele.

E quando o orgasmo veio chegando, ela sentiu que o membro do seu macho parecia penetrar mais profundamente no seu útero, e desabrochar como uma flor, enchendo-o completamente. Sentia que o seu gozo vinha compassado, ritmado... que ele controlava o seu prazer. Seu corpo estremecia num descontrole insano. E quando ia gozar, no último instante em que libertaria o seu prazer, ele não veio... Sua respiração descompassada mexia com todo o seu corpo. Gemia... urrava... suplicava. Seu corpo estava encharcado de suor, seus músculos estavam tensos.

Seu estado psicológico chegava ao limite, a sua pressão emocional estava além da sua resistência, mais um pouco e seu coração pararia. Sentia uma enorme vontade de desabafar. Seu peito doía. Estava a ponto de explodir, e com apenas um ligeiro movimento de carinho dele, se libertou. A sua cabeça perecia que ia explodir de tanta luz. E quando ele também jorrou dentro de si, foi como uma descarga elétrica rompendo o seu cérebro. Milhares de flashes pipocavam na sua mente. Seus olhos se fecharam intensamente, e tudo clareou como a explosão de uma bomba atômica. Ficou inconsciente por alguns instantes, sentindo o seu corpo flutuar no éter espacial. Voltou há milhões de anos luz no tempo. Imagens de galáxias, planetas, estrelas, universos passaram num átimo de segundo, e ela acordou num susto. E percebeu o seu corpo ser colocado, com suavidade, sobre o lençol. Uma lassidão invadia seus desejos. Adormeceu novamente.

Era de manhã quando acordou. Uma forte claridade entrava pelas grandes janelas, inundando todo o quarto e ofuscava-lhe as vistas. Então, se lembrou da noite anterior. Tinha sido uma loucura! Teria sonhado? Olhou assustada para o lado e viu aquele estranho ser... viu os apêndices torácicos. A princípio teve um misto de medo e excitação; mas depois, observou melhor aquele macho que lhe tratara com muito carinho, e lhe dera um prazer indiscritível. Ainda sentia o corpo fraco, e uma sensação muito gostosa. Ficou mais confiante. Ele se mexeu, os apêndices adquiriram vida. Ela acariciou a ponta de um deles com os dedos. Todos os tentáculos aos poucos foram se encolhendo para dentro do corpo dele e sumindo. Sorriu maravilhada. Curvou-se sobre o ventre dele e beijou-o com língua cheia de saliva, por toda a extensão, e sentiu um sabor acre na boca. Depois com as mãos, segurou delicadamente aquilo que parecia ser um órgão sexual. Ele suspirou e relaxou. Aquilo não cabia dentro da sua boca, mas ela com cuidado, foi fazendo o membro ir ficando rígido. E não se contentou, não resistiu ao vê-lo ir se avolumando... sentia que o seu sexo já estava mais que encharcado. Louca de tesão, subiu sobre ele, deixando-se invadir; e aquilo que parecia não caber dentro de si, foi entrando, escorregando e moldando-se ao seu canal vaginal, e novamente voltou àquela sensação de estar sendo penetrada até o útero. E agora podia perceber o seu ventre se avolumar e contrair-se, como se algo vivo despertasse dentro de si. Apavorada, tentou se desvencilhar, mas estava prisioneira, presa. Sentia na pele um desejo, uma volúpia, um formigamento... uma vontade de gozar. Seu corpo começou a se movimentar num ritmo suave, e depois foi acelerando. E parecia existir um fogo queimando na barriga. Uma dor aguda subia pelas suas pernas, coxas, coluna e explodia na cabeça. Não conseguia se controlar. Queria mais. Precisava sentir o prazer, chegar ao êxtase. Queria como nunca. Começava a transpirar. Um forte cheiro acre-doce penetrava por suas narinas dilatadas. Estava ficando ensandecida. Gemia, gritava alta e suplicava pelo seu gozo... Seu coração pulsava violentamente, descontrolado... Sua mente estava vazia...

...e nem percebeu quando os tentáculos a envolveram suavemente, e a colocaram de costas para ele. E nem notou também, quando mais uma vez se entregou de corpo e alma para aquele estranho ser, num abandono total; e gozou no mesmo instante em que sentiu algo frio se derramando dentro dela. Suas pernas bambearem e desfaleceu em cima da cama.

Ao acordar, minutos depois ainda sentiu o membro dele ir deslizando de dentro dela; como se todo os seus órgãos internos estivessem se desconectando... e viu um líquido azul fosforescente escorrer pelas suas coxas e sumir no lençol, sem deixar marca. Os apêndices torácicos ainda a abraçavam. Tomou um com as mãos e beijou...

...e foi quando ele deu um salto da cama. O seu "pager" largado ao lado do travesseiro, começava a pulsar alucinadamente. Ele deu um sorriso; e ela pode perceber seus dentes esverdeados e pontudos, assim como as suas vistas, eram dois filetes avermelhados em cada uma, e depois a sua língua bifurcada. Recuou assustada. Ele nem percebeu. Pegou o aparelho e chegou até a grande janela envidraçada.

- Kloçcl, yokweh kiak w tyesss! - disse ele,

- O quê?

- Meur nave ffor attacado!

- NAVE!? Onde você a deixou? - perguntou curiosa.

Ele apontou para adiante. Para muito além dos edifícios.

A principio ela não entendeu, mas depois pode perceber a situação pela direção em que ele apontava.

- O CAMPO DE FUTEBOL!? - exclamou ela, pegando o controle remoto e ligando a televisão à sua direita. Na telinha surgiu um repórter todo engravatado, com uma voz emocionada:

“...e meus caros telespectadores, num dia de decisão, tudo pode acontecer. E o fato ocorrido agorinha mesmo ainda é um mistério! Vocês podem ver pelo replay... o jogador deu um tiro certeiro do meio do campo para fazer um golaço... vocês podem ver que até o goleiro pulou para agarrar a bola... mas cadê a bola? A bola, meus amigos telespectadores, ricocheteou em alguma coisa invisível, e foi pro escanteio! E nessas horas que eu me lembro da máxima de Shakespeare: “ há mais coisa entre o céu e a terra, do que sonha a nossa vã filosofia”. O juiz paralisou o jogo, e os jogadores estão chutando, nesse exato momento, varias bolas para o alto, tentando descobrir se existe algo no meio no campo. Já foram chamadas até as autoridades competentes para investigar...”

Ela abaixou o som da televisão e olhou para ele, intrigada. Txyi-nno mexeu no pager e depois se voltou. Agora seus olhos estavam normais.

- Eu compreender o situaçon. Pousou em lugar errado. Suspendi mais o nave para fora do espaço do seu planeta... eu preciso partir... meu raça vai conhecer o seu povo...

- Sua raça... existem mais como você aqui na Terra?

- Non, mas viron... e você apresentar nós ao seu povo.

- Volta com eles?

- Hewj Txyi-nno... Jwetk, ysmihg, w rweutyss!!!

- O que? - perguntou ela.

- Meu nome é Txyi-nno... Agora o seu mundo é o meu mundo!!

E de repente, um forte jato de luz esverdeada o envolveu completamente, e ele desapareceu à sua frente. E dessa mesma fonte de energia, ela viu cair pedrinhas brilhantes e coloridas aos seus pés. Sorriu e entendeu. De alguma forma, sabia que ele retornaria algum dia, e estaria a sua espera.

 

Nota do Navegador: Os qwarliks não são hostis como os seus antepassados. Romperam a corrente genética da sua espécie, quando iniciaram a caminhada em busca da gene antropóide. Se ele quisesse poderia ter injetado na fêmea, uma super dosagem de endorfina, que a adrenalina dela a levaria a um estado tão alto de excitação, que entraria em alfa, e fatalmente, morreria de um ataque do coração. Mas ele havia testado a resistência dela, e sabia que as fêmeas daquele planeta eram fortes para acasalar, e gerariam raças bem sucedidas. No momento exato voltaria para proteger a sua prole.


© John Dekowes  2002-2003.